Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Minissérie:Antes daquela fria manhã de Outono-Episódio12



Episódio 12

Pela primeira vez, Maki teve de enfrentar uma dura e pesada realidade que lhe recaía como Atlas carregando o Mundo.
Na verdade, ele tinha de enfrentar, mas incoscientemente resolveu não enfrentar;caiu dura, estatelada no sofá,olhos esbugalhados e lacrimejantes,paralisada de pavor.
O terror de estar sozinha no mundo, da liberdade de ser solta dos grilhões da  dependência física, emocional e financeira de Nami.Tivera sua alforria.
Mas aquilo custara à ela caro demais!
Por dois dias e duas noites ela permaneceu assim,imóvel.
Claro que as colegas de escola ficaram sabendo da morte de Nami, já que o nome dela apareceu nas listas de passageiros mortos nos telejornais e nos jornais. Sem falar de internet.
As quatro colegas foram à casa dela, escutaram a TV ainda ligada,tocaram a campainha até cansar e nada.Foram a porta e experimentaram a maçaneta.A porta estava destrancada.Entraram.
Viram a menina paralisada no sofá, catatônica,e tentaram acordá-la.Nada.
Ouviram o coração, ela estava viva.Jogaram água na cara dela,fizeram cócegas e nada.Desesperada, uma delas lhe deu um forte tapa no rosto.
Maki acordou.Abriu e fechou os olhos.Quando viu as garotas em sua cara, teve um ataque histérico:
-Nami disse que vocês estavam proibidas de vir aqui !Saiam daqui ! Saiam daqui!
-Mas Maki-san, a Nami-san faleceu!
-Não faleceu, Kotone-chan!Não faleceu!Quem te disse que ela faleceu?A Nami-nee-san vai voltar amanhã! Ela volta amanhã e vou fazer uma torta de morangos para ela, que ela adora!
-Maki-chan, encare a realidade, o avião dela caiu, não houve sobreviventes!
-Foi outro avião, foi outro avião!Nami está viva ! Ela vai voltar amanhã!
-Maki-chan, não minta para si mesma...
-Eeeeelaaaa vai voltar amanhãaaaa! Vocês não entendeeeem!
Maki berrou 'a plenos pulmões,e continuou:
-Saiam daqui! Saiam daquiiiiii!
As meninas ficaram assustadas com o descontrole da garota.Só que este descontrole ia piorar:
Maki começou a quebrar tudo o que via na frente e jogar objetos nas garotas, e avançou em Kotone com violência, enchendo-a de tapas, pontapés e socos violentos, como que movida por uma força sobre-humana, berrando como uma fera!
Agora sim as meninas saíram correndo de lá e trataram de chamar a polícia e uma ambulância.
Maki quebrou a casa toda, num acesso de fúria totalmente descontrolado, e depois caiu ajoelhada no chão da sala chorando convulsivamente,com uma dor que não cabia em seu corpo ou sua mente.
Ela gritou ,ainda de joelhos, mas sua voz mais parecia um uivo desesperado:
-Namiiiiii!Nãaaaaaaaaaao!
O pranto agora era histérico, o rictus da loucura deformando seu rosto,ensopado de lágrimas, as marcas sangrentas das unhas enfiadas nas carnes da face,e ela continuou quebrando tudo o que havia na frente.
Urinou e defecou na calcinha, de nervosa.Seus dias também se adiantaram e transformaram suas pernas,pés, nádegas e virilha numa "sopa" nojenta de dejetos e secreções malcheirosas.
Por fim as viaturas chegaram, e foram necessários dois homens fortes para imobilizá-la e aplicar-lhe uma injeção com  uma dose brutal de calmantes.Colocaram-na numa camisa de força e a levaram para um hospital, onde ela foi amarrada no leito.
Finalmente, quando ela acordou, ainda grogue, as enfermeiras deram banho nela, trocaram suas roupas e deram comida e água para ela.
Assim que a consciência voltou completamente, uma psicóloga tentou entrevistá-la.
Tudo ia bem até a terapeuta confirmar que Maki só tinha Nami de parentes e nenhuma amiga ou conhecida que pudesse ficar com ela.Quando, no entanto, a psicóloga tentou dizer que agora Maki estava sozinha pois sua irmã e tutora havia falecido,Maki teve outro ataque histérico e se agitou tanto que regurgitou parte da sua refeição na terapeuta.Não contente, Maki tentou esganá-la, e novamente teve de ser imobilizada e sedada.
A psicóloga não viu outra solução: Maki tinha de ir para um orfanato em regime de internato e ser colocada  disponível para adoção.
Alguns dias depois ela foi levada, profundamente deprimida, ainda agarrada ao seu ursinho, ao orfanato.
Neste meio tempo, lá em Okinawa, Tetsuo ficou sabendo da morte de Nami no desastre de avião.Ele procurou localizar o corpo dela,viajando para Nara,e reconheceu o corpo, pagou o translado e o enterro.
Ele sabia da existência de Maki e lembrou-se das palavras de Nami, logo depois de fazer amor com ele, na última vez que eles se viram:
"-Tetsuo, meu amor, se algum dia alguma coisa acontecer comigo, cuide da Maki.Eu ainda não tive oportunidade de apresentá-la a você,mas ela é uma menina adorável.Ela é muito sofrida porque perdemos nossos pais muito cedo, e tive de ser mais do que uma irmã mais velha, tive de ser uma mãe para ela...eu simplesmente adoro minha irmãzinha, e ela não tem ninguém no mundo que não seja a mim...nunca a deixe sofrer, Tetsuo, eu conto com você!".
Tetsuo então se informou e descobriu que ela tinha ido parar num orfanato, para ser adotada.Ele então entrou na justiça para cumprir o último desejo de Nami, e se seguiu uma intensa e longa batalha judicial para conseguir a guarda da garota.
(Por continuar)

Série Especial: Consciência de Viver-Capítulo 9





Capítulo 9




 Tirou-a de lá e colocou-a na mesa, sentou-se na cadeira e a observou atentamente. Era tão grosseira e mal feita, mas não aos olhos dele, que a achava realmente encantadora. Mas era apenas uma caixa de madeira, sem qualquer enfeite, absolutamente singela.
Ele, no entanto, sem qualquer razão aparente, resolveu escondê-la. Sabe-se lá de quem! Mas estava realmente convencido a fazer isso, fosse qual fosse o custo. E notou, de repente, um buraco nas ripas de madeira do chão da cozinha. Enfiou a cabeça lá e espiou. Só escuridão. Mas, apalpando, descobriu outro assoalho ali debaixo, e foi lá que colocou a caixa.
Agora estava satisfeito. Ninguém a acharia. Quem?
Em sua eterna distração, esqueceu-se de que vivia sozinho naquela casa.
Ficou comendo nozes e doces longamente, quando subitamente deu pela falta da caixa. Desesperou-se.
Tinha sumido! Onde, onde estaria? Ele revirou todo o armário, todas as gavetas, olhou embaixo da pia e nada. Debaixo da mesa também não estava. Teria ele a levado para outro cômodo? Qual ? Por quê? Quando? Ele não a achava.
Eis que se lembrou de que a havia escondido na fenda pouco tempo antes. A fenda! Era só achá-la! Devia ter pensado nisso antes. Procurou-a. Mas qual não foi sua surpresa ao notar que não existia apenas uma, mas muitas fendas pela cozinha, muito parecidas umas com as outras. E sua memória podia enganá-lo facilmente.
Bastou isso para ele voltar a ficar irado.
Com muita má vontade começou a apalpar dentro das fendas à procura da caixa. E nada. E a cada novo fracasso, mais revolta. Sua fúria o fazia machucar-se nas farpas soltas, e Ele as amaldiçoava, como que a castigá-las. Após horas de busca frenética e intensa, teve a boa sorte de achar a caixa, agora exibida com orgulho qual troféu ganho em competição. Não cabia mais em si agora. Instantaneamente a raiva passou, e o que ficou foi um tremendo convencimento e muito, muito júbilo. Nada como o sentimento de superioridade para apagar e esquecer o sentimento de inferioridade sempre presente. E era exatamente o que acontecia com Ele. Gostava de criar sonhos, mas quando um sonho morria, assassinado por uma desilusão, ele ficava incrivelmente deprimido. Mas logo criava outro, e quando um sonho nascia, Ele ficava realmente nas nuvens!
 Acalentava-o e vivia-o como se fosse real, uma promessa de alguma coisa ou de algum acontecimento que irremediavelmente aconteceria, mais cedo ou mais tarde, sem precisão exata do quando, mas com uma certeza confiante. Contudo, era sempre apenas um potencial que jamais se cumpria, quando alguma coisa inesperada vinha inapelavelmente tornar impossível o cumprimento da promessa sonhada com tanta esperança. Embora previsíveis, estes impedimentos nunca constavam de ser conscientizados por Ele, que jamais se conformava por eles existirem sempre de uma maneira assim tão implacável.
Nesses momentos Ele ficava sombrio e depressivo e iniciava uma roda viva da qual constavam todo o ódio, muita fúria e o desespero.
Mas Ele também observava que sonhar não era algo tão negativo assim. Para Ele, afinal, era essa atitude que o animava a permanecer vivendo e ter força de vontade para fazer alguma coisa em sua vida, e, ademais, sonhos eram de fato coisas de bem fácil fabricação e, se morriam, facilmente podiam ser substituídos.
Guardou a caixa de volta no armário, ainda sem coragem de abri-la. Agora se via animado e tranqüilo.
Enfim decidiu que era a hora de ir deitar-se de novo. Já em sua cama, espreguiçou-se até ter um repentino ataque de câimbras nas pernas. Urrava de dor, em desespero puro. Não conseguia entender porque isso acontecia, o que era isso. Mas essas dúvidas eram secundárias, e a dor se arrastava celeremente. Parecia que nunca ia cessar.
Quase não respirava, e grossas lágrimas caiam-lhe do rosto espremido e contorcido, exasperado. Suas pernas lhe eram desobedientes, e a fadiga lhe tomava conta do corpo. Não poderia resistir muito tempo. Mas, tão repentinamente quanto veio, a câimbra passou.
Agora é que não conseguiria dormir mesmo. Preocupado, não sabia em que posição deixar as pernas: esticadas, dobradas, meio termo? Era uma terrível dúvida que parecia insolúvel.
Sua agonia perdurava. Parecia sentir infinitos de pré-sensações que desencadeavam falsos alarmes e que lhe pregavam sustos histéricos supercontidos com enorme sacrifício. Tentava pensar, racionalizar a dor, mas fracassava sempre.
Acabou por levantar-se, cambaleante qual sonâmbulo, pois seria impossível dormir daquela maneira. Sentia-se incomodado, sem paz de espírito, se é que algum dia Ele a teve. Alguma coisa atrapalhava, não conseguia sentir-se à vontade em sua própria casa. Era intrigante. Estava agitado, nervoso, e depois de muita indecisão acabou voltando ao escritório. Novamente investigaria seu passado.
Ao chegar lá pôde notar no fundo da sala um grande cofre antiguíssimo, pesado e muito empoeirado. Suas entranhas metálicas de seu sistema de abertura estavam emperradas e desgastadas, permitindo que a porta permanecesse aberta.
 Mas, ao entrar, Ele foi atraído magneticamente para outra atração: a grande poltrona giratória de espaldar alto. A sensação de poder que dela advinha o atraiu para lá se sentar e sonhar com o "poder".
Não podia resistir. Todo o incômodo foi substituído pela magia daquela poltrona de couro natural. Mais parecia um trono. Para Ele, pelo menos. Nem mesmo a lembrança da sua última estadia naquele lugar, do Espectro sentado à sua frente, lhe veio mais à memória. Não, Ele queria sonhar cada vez mais alto em seu delírio, obcecado e fascinado por sua "realeza". Imaginava-se distribuindo ordens e mais ordens a vassalos, soldados, nobres, mercadores e sabe-se lá a quem mais.
Mas acabou dormindo. No limbo daqueles instantes que traçam a linha divisória entre o sono e a vigília, sempre muito tênue, os pensamentos que lhe advinham eram igualmente nebulosos: tinha de investigar seu passado, tinha de resistir à tentação, tinha medo de a câimbra voltar, será que o Espectro voltaria a viver? Ele reinava, tinha de dar as ordens. E se seus servos o desobedecessem? Os mataria? E então ele seria o quê? Um rei solitário que não tinha a quem dar ordens? Que ordens? Tinha lá alguma coisa a fazer? O quê? Então que sentido tinha ele ser rei? Monarca de onde? Da casa? Não era um reino um pouco pequeno demais? Não, não fazia sentido, não era lógico... por que tudo tem de ser lógico? Foi então que começou a sonhar de verdade outra vez.
Sonhou que estava sentado em um lindo trono dourado, em uma sala imensa, ricamente decorada. Tinha uma belíssima coroa na cabeça, da sua cintura pendia uma bela espada prateada, e na outra mão portava um grande cajado de ouro. De repente, o salão estava fervilhante de gente, e todos o aborreciam com grande insistência. Papéis e mais papéis, montanhas deles, tudo dependia de sua assinatura e vontade.
E cada vez que tentava lê-los, não conseguia entender uma só palavra, e as indecisões se multiplicavam desesperadamente. Nada parecia lógico nem fazer sentido. E o povo gritava: - Não precisa fazer sentido! Não há necessidade de lógica! Seja aleatório, Majestade, como todo este reino o é! Seja simplesmente humano!
Nada realmente era lógico. E Ele começou a sentir que o trono, embora fosse de ouro, era duro e desconfortável; a coroa lhe pesava muito na cabeça; o cetro também era pesado demais; a espada era inútil; seu próprio corpo parecia pesar uma tonelada. Então a sala se iluminou, e as pessoas desapareceram em um passe de mágica.
Os objetos, muitos desconhecidos e disformes, flutuavam no ar, e não havia mais sala, chão, teto, nada. Somente o trono e o vazio... E objetos flutuantes voando a esmo. Sonhou com um mundo interessante: sem o raciocínio, a lógica, o sentido, a inteligência humana e o nexo. E esse mundo se mostrou perfeitamente coerente e muito harmônico, absolutamente inteligível, com todas as coisas explicando-se por suas próprias existências, sem que se precisasse gastar um só neurônio. E foi assim que acordou.
Dirigiu-se ao cofre, sentou-se no chão, abriu a tampa e, com uma curiosidade verdadeiramente infantil, começou a remexer nos documentos, fotografias, cartas e recortes de jornal contidos em seu interior. Estava se revelando uma verdadeira mina de informações sobre o seu passado e sua família.
 Ele percebeu que tinha achado uma distração diferente, com grande potencial de ocupar seu tempo de maneira interessante e curiosa, e isso era tudo o que lhe importava naquele momento.
Boa parte dessa documentação em que mexia estava ilegível ou ininteligível devido à forte ação do tempo. Mas muita coisa ainda se salvava e aguçava terrivelmente sua curiosidade. E aquele era um sentimento insaciável, de crescimento geométrico a cada nova descoberta. Ali estava, por exemplo, a foto de seu antigo amigo de infância. Ela chamou de modo especial sua atenção.
As lembranças redivivas de um passado que julgava morto e enterrado, esquecido ou definitivamente ignorado, lhe voltaram à mente, ternas e ainda frescas. Depois de algum tempo embalado nas felizes recordações daquele velho amigo, há muito esquecido, vieram-lhe as primeiras lembranças de seu abandono naquela casa. A escuridão, a solidão, o medo eram apenas o começo.
Foi quando lhe voltaram à mente, com maior nitidez e profundidade, os seus primeiros tempos na sua prisão, sua casa.

(Por continuar)