Foto ilustrativa

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terça-feira, 18 de maio de 2010

Pequeno trecho de uma de minhas obras:Consciencia de Viver



"Foi só então que Ele levantou a cabeça e continuou a caminhar, vagarosamente. Uma das portas estava aberta: a da cozinha. E foi para lá que se dirigiu.
 Um grande armário cheio de teias de aranha lá estava em pé. Foi ali que Ele buscou uma misteriosa caixa de madeira escura e maltratada, rodeada de fungos por todos os lados. Não era maior que uma caixa de sapatos e estava toda amarrada com cordas rotas.
Ele nunca havia aberto a caixa em toda a sua vida, e todo esse tempo passou sem saber o que ela continha. Mas a guardava zelosamente no mesmo lugar. Não sabia por que a guardava; só sentia que tinha de guardá-la.
No entanto, algumas vezes, em certas ocasiões, gostava de tirá-la de lá e depositá-la em cima da mesa, apenas para ficar fitando-a fixamente e tentar imaginar o que havia nela. E isso era exatamente o que ele estava fazendo agora. Por quê? Ora, Ele se questionava a esse respeito pela primeira vez na vida desta vez.
Foi aí que começou a ficar com dor de cabeça. Ele tentava com esforço imaginar o conteúdo da caixa, e ao mesmo tempo essa dúvida o pressionava tanto e de maneira tão violenta que se tornou uma tortura selvagem, à qual resistia com toda a sua vontade, dividida agora em duas facções poderosas, duelando em sua cabeça de tal maneira agonizante que seus pensamentos suplicavam: Por quê? Por quê? Por quê? Só esta palavra aparecia em seu cérebro sofrido, a ponto de Ele não saber mais, afinal, que insano "por quê?" era aquele: por que Ele olhava tanto para a caixa e a guardava com tanta insistência e não tinha coragem de abri-la? Por que Ele não conseguia vencer a teimosia do "por quê?" e impor a vontade costumeira que ele sempre tivera antes e que fazia parte de sua rotina?
Seu dilema aumentava. Começou a questionar cada um de seus atos costumeiros. Por que os fazia? E milhares de porquês pipocaram em sua cabeça, sem que pudesse elaborar quaisquer respostas.
Quanto mais ele olhava fixamente a caixa mais, torturante ficava sua agonia. Até que começou a reparar nela e prestar atenção em todos, todos os detalhes mínimos, todas as irregularidades, todos os defeitos. E a achou bela!
 Pronto! Seu rosto se iluminou por um segundo. Tinha achado todas as respostas! A justificativa perfeita. Explicava-se a si mesma e era bem elíptica: como um circuito fechado em que os porquês se respondiam com a resposta que justificava todas as perguntas. Perfeito! Devia ser a primeira vez em que ensaiava um sorriso, mesmo que assim todo torto e deformado. Achou que seus músculos estavam enferrujados por nunca ter sorrido antes. Pelo menos essa era a sua impressão.
Repentinamente ouviu um ruído. Um barulho. Pelo menos pensou ter ouvido. Ele não sabia o que era, mas de qualquer forma não gostava. Pegou a caixa automaticamente e a abraçou por um momento. Ele queria protegê-la do perigo. Qual seria? Não tinha a mínima idéia, mas desesperou-se. Dizia a si mesmo em pensamento que não a abandonaria nunca e a protegeria de tudo o que acontecesse e de quem quer que fosse ameaçá-la.
Só então se lembrou, para aumento do seu exaspero, da questão crucial: Quem o protegeria?
A caixa! Ela o protegeria! Começou a divagar. Mas, se ela o protegesse, por que ele a protegeria? Se ele era tão poderoso para proteger a caixa, ela seria tão forte que o poderia proteger também? Teria de ser ainda superior a ele próprio, se ele é quem deveria ser superior a ela para ampará-lo? Quem era melhor? O Homem ou a Caixa?
Começou a sentir inveja da caixa e a sonhar em ser uma caixa. Em chegar a ser uma. Mas e ela? Sonharia em ser um Homem?
Como ele saberia o que se passava dentro dela?
Talvez ela, quem sabe, também tivesse no seu íntimo o sonho, um desejo como o dele, que queria de qualquer maneira ser uma caixa, de se tornar um ser humano. Afinal, ela era bonita!
Ocorreu-lhe que alguém mais poderoso poderia guardá-la e protegê-la: Ah, o armário! Quem mais?
 Sim, é claro! O todo poderoso amigo armário, como Ele agora o chamava.
Mas, se ele era assim tão poderoso, não ameaçaria a Ele nem à caixa?
Agora Ele já não sabia mais. Tamanha confusão lhe aumentou ainda mais a dor de cabeça. Pensou em investigar o ruído. Mas não se atrevia a isso. Apavorava-lhe a idéia de pensar quem ou o quê teria produzido tal ruído. Achou que talvez até soubesse o que fosse, mas evitava dizê-lo a si mesmo por puro pavor."
Cristiano Camargo
Minha obra "Consciencia de Viver" está registrada na Biblioteca Nacional, e faz parte do  meu livro "Automato e outras estórias",Editora Memnon,2005.

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