Foto ilustrativa

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sábado, 9 de abril de 2011

Série Especial: Autômato- Capítulo 3

 

 

 

Capítulo Três

 

 

 

No entanto, logo estava de pé outra vez.  Sentiu passos vibrando no solo. O Criador. Ele estava por perto. E chegando.
Como que do nada, uma mão negra estofada o apanhou.
O olhar do Criador parecia ser de certa curiosidade.
Mas Auto não era curioso. Era ira que via nos olhos esbugalhados do Criador, que o chacoalhou violentamente, numa tortura angustiante que o tempo, embora curto, só ampliava.
E Auto mais e mais se encolhia, endurecia, abstraia, o que enfurecia muito mais o Criador. Este parecia querer exatamente o efeito oposto ; que Auto lhe revelasse seu segredo, que por sua vez Auto não tinha, ele era muito simples, e dava a impressão de que sua cabeça era maciça, o que de fato não o era, havia alguma coisa ali dentro, que o próprio Criador desconhecia o que fosse, mas ansiava por saber.
Perdeu a paciência e levou Auto pelos corredores. Ate chegar ‘a uma câmara escura, quadrada, uma das muitas daquele lugar. Colocou - o em cima de uma mesa de mármore.
A mão direita segurava o esperneante Auto, que debatia seus débeis bracinhos, girava a cabeça e os olhos. Seu olhar era de horror, e o olhar de seu opressor era o feroz olhar do Carrasco, tentando suprimi - lo.
A mão esquerda levantada segurava uma ferramenta, pesada e pontuda, olhos contrastantes com os da vitima iminente, da raiva cega e ansiosa, acima de tudo, irracional. Mas esta mão armada estava tremula, não só fúria, mas insegurança e incerteza, algo de culpa ? Talvez, afinal, o Criador também tinha seus segredos.
Mas a mão não pensa, e ela desabou com todo o peso impiedoso da autoridade.
Um silvo sinistro se ouviu, cortando o silencio qual espada.
O olho de Auto saltou para fora, de terror. O Ferro maciço caia vertiginosamente na direção de sua testa !
IMPACTO !!  .O choque foi tremendo. Os olhos injetados do Criador expressavam absoluta revolta e desespero.
A razão para isso estava estatelada na mesa. Auto sofrera apenas um pequeno trinco, leve cicatriz na testa. Mas o Abalo da Mente silenciosa havia sido muito mais grave.
O Criador, em desvario, ficou golpeando-o com a rapidez de uma metralhadora, malhando-o por todo o corpo, sem resultados.
Acabou por desistir, inconformado. Quem tinha o segredo era ele mesmo, e ficava procurando o que não existia.
Mas isto estava alem de sua compreensão, ou ate talvez não : talvez sua profunda intolerância consigo mesmo e com o desconhecido e incontrolavel , especialmente, o impedisse de ver o que estava claro todo o tempo, bem ‘a sua frente. A Razão não tem paciência !
Auto tinha apenas alguns arranhões e trincas superficiais, mas permanecia tremulo ate agora. Viu o Criador ir embora, mas demorava a recompor-se. Olhou para cima e lá estavam : suas pernas penduradas na parede lisa, em um cabide esculpido em bronze, afixado na parede muito, muito alto , próximo ao teto. Não podia alcança - las, embora quisesse, ainda que de uma maneira muito apagada.
Olhou para baixo : a mesa era bem alta, alias, tudo era alto, ou Auto que era pequeno ? Enquanto continuasse abstraído, iria se sentir cada vez menor e mais inexpugnável , e aquele ambiente, cada vez maior , mais absoluto, mais ameaçador; maior ainda a tirania exercida sobre ele. Auto não sabia lidar consigo mesmo, quanto menos com seu próprio ambiente.
Sentia-se cada vez menor e temia desaparecer. A Morte não vinha com o fim da existência ,mas com o Vazio, o vazio da Imobilidade, a Parada. Um ambiente tão perene, significava um ambiente morto, por isso tão temido.
Precisava descer daquela mesa. Como? Precisava mesmo?
Ocorre que ele tinha se arrastado tanto para achar suas pernas, e as tinha achado. Por que tinha de sair dali, então?
O Criador; ele podia voltar! Era preciso fugir e se esconder dele!
Poderia se jogar dali. Mas poderia quebrar-se na queda.
Ele foi ‘a beirada, deitou-se de bruços, e observou : pés curvos de granito , abrindo-se para fora do perímetro da tampa da mesa. Teria de escalar, como se descesse de uma montanha. Perigoso, sem duvida, mas possível.
Girou cento e oitenta graus, e ficou pendurado no tampo. Balançou - se e soltou as mãos. Caiu.
Agarrou-se violentamente ao pé da mesa , e foi soltando aos poucos. Esta queda controlada acabou por conduzi - lo são e salvo ao solo.
Pronto. Agora ele podia se arrastar e sair dali em segurança.
Mas tudo ali era gigantesco, e demorou horas para sair daquela sala. Só que ele não sabia mais com voltar ‘a sua gaveta. Três eram os corredores que davam naquela sala, qual escolher? Era preciso decidir. Mas a letárgica calma de Auto escondia na verdade alguma coisa que ele jamais teve antes : a indecisão provinda de um combate mental interno. Duvidas, pressão, ansiedade, apatia ,em um embate desanimado e interminável. Ficou, sem perceber, vários dias diante daquela entrada, sem conseguir decidir coisa alguma.
Bastaram os passos do Criador serem sentidos como próximos para esta decisão vir lépida : iria pelo corredor central, não o da esquerda ou da direita ; o do centro estava bem ‘a sua frente. Tomou, claro, a decisão mais fácil e simples.
O Criador passou por ele. Desta vez nem o viu. Quase pisa em Auto. Mas não o vê .
 Passado o susto, Auto recompôs - se e prosseguiu seu rastejar, olhando as gavetas das paredes intermináveis. Embora estas fossem idênticas umas ‘as outras, ele conseguia achar sutis diferenças entre elas, que obviamente só ele mesmo era capaz de distinguir. Assim foi percorrendo vários e vários corredores e entroncamentos, estando devidamente perdido agora.

(Por continuar)

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