Foto ilustrativa

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terça-feira, 12 de abril de 2011

Série Especial: Autômato:Autômato-Capítulo 6


 

Capítulo Seis



O Autômato arrastou - se ate chegar ao pescoço de seu odiado opressor. Pela primeira vez em sua existência, ele tinha uma motivação, algo que o interessasse e lhe tornasse menos alheio ‘a tudo. No entanto,  sentiu-se crescer e mais frágil : como um reptil que cresce, sentia que sua velha casca tão robusta mostrava-se acanhada ao expandir-se. Para aumentar ‘a si mesmo, precisava jogar fora a velha crosta que o envolvia, livrar-se de si mesmo, o Auto antigo, para dar lugar e espaço ao novo que queria nascer. Mas isto ele temia, sempre fugindo desta tendência natural de tudo na vida.
Mirou seu único olho lá dentro. A profundidade daquela cavidade parecia ser muito maior do que o próprio tamanho da cabeça. O que Auto viu, não entendeu. O Mistério do Negro Profundo escondia alguma coisa, apenas isto; posto que indefinível para ser descrita. Simples demais para ser entendida. Ele viu, mas não enxergou.
Auto fechou a tampa, amedrontado, quando o Criador apresentou os primeiros frêmitos de vida novamente. Arrastou-se o mais velozmente que podia, dobrou a “ esquina “ mais próxima, e ficou fora do alcance do Criador, que levantava-se agora.
O Gigante, ainda meio tonto, limpou-se diligentemente com as mãos , lembrando-se então da tampa. Ao tatear a nuca, e a descobrir mal fechada, enfureceu - se. Seus punhos negros cerraram-se ate estalar. Alguém tinha aberto e descoberto seus segredos, tão secretos que ate ele mesmo acreditava que não os sabia.
Claro que Auto também os tinha, sabia que tinha ; mas a diferença e , que ao contrario do Criador,  ele podia revirar seu único olho e ver ao menos parte destes segredos. Mas odiava quando isto acontecia, e para ele, isto nunca acontecia voluntariamente. Para ele, bem entendido.

Mas o que crescia nele era a curiosidade. E quanto maior este interesse, maior e mais frágil ele ficava, mas com isto, o medo do Criador também aumentava. Tinha, ele se convenceu, de achar as próprias pernas, agora ele não iria ficar vagando pelos corredores : tinha um objetivo !
Nem se dera conta das transformações pelas quais estava passando, muito menos da importância delas. Começava aos poucos a encarar com coragem seus próprios reflexos, e aceitar sua imagem refletida. Algo a ver com o que viu nos segredos do Criador?
Sentia-se diferente . Não sabia bem como, mas estava diferente. ‘A medida que avançava pelos corredores, sua autoconfiança aumentava. E ele crescia - ‘a olhos vistos !
Tornava-se mais maleável e ágil, mais leve. Algo estava acontecendo. Achou novamente, por fim, a sala onde tinha localizado suas pernas. Elas ainda estavam lá e curiosamente tinham acompanhado seu crescimento. Como ele,  tinham dobrado de tamanho. Então ele se deu conta de que elas já não estavam mais tão distantes como da ultima vez. No entanto, ‘a soleira da entrada, uma sombra negra e longa se projetou. O Criador ! E quão furioso ele estava! A mão enorme tolheu - o com força, arremessando - o contra a parede.
Inicialmente Auto regirou cabeça e olho em seus próprios eixos, com o velho pavor de antigamente. Mas, logo depois, reagiu, cravando seu olho nos olhos do Criador ,apontando seu dedo indicador da mão esquerda firme e diretamente para ele.
Surpreso, o Criador ate soltou algumas costuras de ódio cego, mas, apesar de sentir vontade de agarrar o autômato pelo pescoço, ficou parado, tremulo , indeciso.
Então , com os olhos exprimido grande dor, colocou as mãos na cabeça, como se ela fosse explodir.
Como podia enfrentar Auto, se este tinha visto o que escondia ? Teria entendido ? Teria roubado seu segredo? Ou não ?
A insegurança lhe minava, e a dor profunda que sentia era piorada por aquele dedo apontado tão convictamente para ele, rasgando sua cabeça como faca, do que o acusava?
De costas, o Criador caiu de joelhos. Simplesmente não sabia o que fazer !

Auto notou que voltava a crescer ainda mais um pouco. Ainda não entendia porque apontava para o Criador , e que espécie de reação era aquela. Mas ao buscar internamente uma resposta, tornava-se ainda maior e mais frágil. Notou, olhando para si mesmo, pedaços de casca espessa, aquela que o revestia e que agora se quebrava, assustando-se enfim quando viu que tinha rachaduras por todo o corpo. O Resultado deste primeiro confronto direto foram duas fugas diametralmente opostas, Criador para um lado, Auto para o outro, ambos fugindo de si mesmos. Se ainda não tinham condições de enfrentarem a si próprios , como enfrentar um ao outro?
Auto sabia que teria de voltar ‘aquela sala. Tinha de reaver suas pernas!
Mas e o Criador ? Deixaria ele chegar ‘a esta conquista ? Permitiria? Ou oporia resistência? Teria de enfrenta - lo novamente ?
Parou de se arrastar e dirigiu seu olhar ao mármore espelhado que o cercava. Seu rosto estava mais “ cheio “ e mais longo, seu corpo mais esguio e menos compacto. Tocava-se a si mesmo, a casca cedia, macia. Parecia nova , especialmente aonde emergia da antiga. As trincas deixavam vislumbra - la, de um branco brilhante e vistoso, no lugar daquela casca rígida e amarelada anterior. Emergia de si mesmo, cada vez mais rápido.
Quanto ao Criador, uma notória transformação havia também nele se iniciado : O couro negro e resistente de que era feito começou a clarear. Ele havia parado e se sentado para pensar. A descoberta , ou suposta, que seja, de seu interior por Auto, parecia ter surtido efeito em si próprio também, não só no autômato. Aquilo que ele escondia , supunha - se,  tinha voltado a funcionar, e sua mente então não estava mais vazia. Ou talvez porque tivesse finalmente criado coragem e enfrentado a si mesmo.
Abriu novamente a tampa na nuca, procurou e achou o que escondia. Olhava admirado para aquilo ; ate a tinta negra em redor dos olhos fixos caiu gotejante qual lagrima. Colocou aquilo de volta. Sentia - se diferente agora. Leve, suave, alguma coisa acontecia.

(Por continuar) 

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