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sábado, 26 de março de 2011

Série Especial: Consciência de Viver -Capítulo 2




Capítulo 2

Seguiu firmemente sua rota bem estabelecida. Não olhava as muitas portas fechadas ao longo de seu trajeto, olhos baixos, vazios. Mas então, sem muito rodeio, parou de pronto, sempre pensativo.
Começou a remoer a idéia de que poderia ficar cego se olhasse muito tempo para um mesmo lugar. Não tinha lógica, mas Ele também não era lógico. Ficou muito tempo ali parado fixando a vista sempre no mesmo ponto. E, para seu espanto, continuou enxergando. Era tamanha a sua teimosia que começou, apesar das provas em contrário, a duvidar ainda que estivesse mesmo vendo alguma coisa. Não acreditava. Dizia a si mesmo: quem seria capaz de garantir que o que  estava vendo era o que estava vendo mesmo; quem o asseguraria de que aquela atividade era realmente a de ver?
E o que era ver? Não sabia responder e ficava furioso por isso. Ou achava que estava. Ele já não sabia mais o que era isso.
Às vezes, brincava consigo mesmo de induzir emoções, muito embora ele sequer soubesse conceituar o que era isso.
Foi só então que Ele levantou a cabeça e continuou a caminhar, vagarosamente. Uma das portas estava aberta: a da cozinha. E foi para lá que se dirigiu.
 Um grande armário cheio de teias de aranha lá estava em pé. Foi ali que Ele buscou uma misteriosa caixa de madeira escura e maltratada, rodeada de fungos por todos os lados. Não era maior que uma caixa de sapatos e estava toda amarrada com cordas rotas.
Ele nunca havia aberto a caixa em toda a sua vida, e todo esse tempo passou sem saber o que ela continha. Mas a guardava zelosamente no mesmo lugar. Não sabia por que a guardava; só sentia que tinha de guardá-la.
No entanto, algumas vezes, em certas ocasiões, gostava de tirá-la de lá e depositá-la em cima da mesa, apenas para ficar fitando-a fixamente e tentar imaginar o que havia nela. E isso era exatamente o que ele estava fazendo agora. Por quê? Ora, Ele se questionava a esse respeito pela primeira vez na vida desta vez.
Foi aí que começou a ficar com dor de cabeça. Ele tentava com esforço imaginar o conteúdo da caixa, e ao mesmo tempo essa dúvida o pressionava tanto e de maneira tão violenta que se tornou uma tortura selvagem, à qual resistia com toda a sua vontade, dividida agora em duas facções poderosas, duelando em sua cabeça de tal maneira agonizante que seus pensamentos suplicavam: Por quê? Por quê? Por quê? Só esta palavra aparecia em seu cérebro sofrido, a ponto de Ele não  saber mais, afinal, que insano "por quê?" era aquele: por que Ele olhava tanto para a caixa e a guardava com tanta insistência e não tinha coragem de abri-la? Por que Ele não conseguia vencer a teimosia do "por quê?" e impor a vontade costumeira que ele sempre tivera antes e que fazia parte de sua rotina?
Seu dilema aumentava. Começou a questionar cada um de seus atos costumeiros. Por que os fazia? E milhares de porquês pipocaram em sua cabeça, sem que pudesse elaborar quaisquer respostas.
Quanto mais ele olhava fixamente a caixa mais, torturante ficava sua agonia. Até que começou a reparar nela e prestar atenção em todos, todos os detalhes mínimos, todas as irregularidades, todos os defeitos. E a achou bela!
 Pronto! Seu rosto se iluminou por um segundo. Tinha achado todas as respostas! A justificativa perfeita. Explicava-se a si mesma e era bem elíptica: como um circuito fechado em que os porquês se respondiam com a resposta que justificava todas as perguntas. Perfeito! Devia ser a primeira vez em que ensaiava um sorriso, mesmo que assim todo torto e deformado. Achou que seus músculos estavam enferrujados por nunca ter sorrido antes. Pelo menos essa era a sua impressão.
Repentinamente ouviu um ruído. Um barulho. Pelo menos pensou ter ouvido. Ele não sabia o que era, mas de qualquer forma não gostava. Pegou a caixa automaticamente e a abraçou por um momento. Ele queria protegê-la do perigo. Qual seria? Não tinha a mínima idéia, mas desesperou-se. Dizia a si mesmo em pensamento que não a abandonaria nunca e a protegeria de tudo o que acontecesse e de quem quer que fosse ameaçá-la.
Só então se lembrou, para aumento do seu exaspero, da questão crucial: Quem o protegeria?
A caixa! Ela o protegeria! Começou a divagar. Mas, se ela o protegesse, por que ele a protegeria? Se ele era tão poderoso para proteger a caixa, ela seria tão forte que o poderia proteger também? Teria de ser ainda superior a ele próprio, se ele é quem deveria ser superior a ela para ampará-lo? Quem era melhor? O Homem ou a Caixa?
Começou a sentir inveja da caixa e a sonhar em ser uma caixa. Em chegar a ser uma. Mas e ela? Sonharia em ser um Homem?
Como ele saberia o que se passava dentro dela?

(Por continuar) 

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