Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Série Especial: Autômato-Capítulo 1




Capítulo Um

 

 

 

E toda a escuridão revelou - se , aos poucos , menos completa, e o Autômato gemia.
Jogado em um canto, seu rosto envelhecido como sempre não tinha semblante, portanto, nenhuma expressão. Ela estava toda em seus olhos, ou melhor, em seu único olho ,o esquerdo. Não tinha boca e seu nariz era uma excrescência em sua face.
Olhava para o lugar em que deveriam estar suas pernas , ainda as sentia  ; como se não tivessem sido brutalmente arrancadas pelo tão temido Criador.
E o Autômato era apenas uma de suas muitas criaturas que habitavam aquele ambiente estranho.
Tudo ali naquela construção era de mármore e granito , sem qualquer acabamento. Pequenas fendas muito altas e estreitas deixavam entrar algum ar , mas quase nenhuma luz.
Não havia dia nem noite , o ambiente era sempre o mesmo , naquele gigantesco labirinto. E as paredes continham gavetas imensas, arranjadas tais como um mausoléu. O frio imperava pela penumbra.
Auto , o autômato , esperava ‘a uma eternidade pelo Criador.
Teve suas pernas amputadas , ignorando a razão deste ato.
Nunca se podia prever quando seria a nova visita do Criador, nunca foi visitado com regularidade por seu amo , inclusive Auto podia esperar qualquer coisa dele.
Mas ele não esperava. Sua mente era vazia. Parecia existir por existir, tamanha sua apatia e alienação. Mas sentia profundo medo quando ele chegava, a visita poderia ser boa ou ruim , geralmente ruim. Podia , naquele silencio dominante, ouvir outras gavetas sendo abertas de vez em quando , sentindo o pavor e a dor das outras criaturas , que também eram tão silenciosas quanto ele, mas dentro de sua cabeça mecânica , pareciam serem sentidas como gritos terríveis de agonia , causando - lhe dor também. Era quando seu único olho girava em torno de seu próprio eixo, passando ‘a ver dentro de si mesmo. E seja lá o que visse, o apavorava mais ainda.
Não se sentia só , sequer sabia portanto o que viria ‘a ser solidão. Ele não tinha consciência de que sentia , suas emoções passavam por ele, sem que ele soubesse o que eram - não era tranqüilo, era apático mesmo.

O Criador, um mistério : origem ignorada, existência questionável, identidade obscura. Era imenso, e seu corpanzil negro e magro, muito alto e esbelto, balançava e gingava ‘a cada passo. Silencioso, inexpressivo como o autômato , sua pele parecia feita de macio couro natural, com costuras aparentes. Seus olhos sem pálpebras, grandes e salientes, eram cinzentos e frios como o cimento. Sua cabeça não tinha boca. Mas tinha uma tampa na altura da nuca, sempre fechada. Sem falar que não haviam orelhas, sabe-se lá  por onde ouvia, se e que o fazia. Nariz não tinha, mas sobrancelhas sim. Sem sinal de cabelos.
Suas mãos eram muito longas, com dedos idem , muito finos . Mas os pés , só tinham a palma, sem dedos .
O Criador movia-se silenciosamente, era mudo, discreto, sem sinais aparentes de ferocidade. Mas sua característica principal era uma imprevisibilidade calma e cruel, seus atos, todos ele inexplicáveis e sem fundamento. Ninguém, criatura alguma naquele ambiente, pensava. Sem lógica.
O Caos ? Não, por decerto. Tudo ali era ordenado ,organizado e coerente. Também não era contraditório ou paradoxal, apenas contrastante.
Mas Auto agora se arrastava, o atrito doloroso se fazia sentir desgastando seu corpo de casco espesso. A gaveta parecia não acabar nunca, como o tempo. Ele não precisava se alimentar ou beber, e como não tinha memória, desconhecia se nascera ali, vivera ali, e não tinha presenciado jamais qualquer outro ambiente.
Porque se arrastava, porque queria sair daquela gaveta, ignorava. Uma vontade apática e desmotivada o impulsionava lerdamente, reptando e olhando as lasquinhas do próprio corpo precipitarem-se ao solo.
Estacou repentinamente. Passos podiam ser ouvidos.
Passos macios e abafados. O Criador! Sim, era ele !
Auto, quando assustado, exibia um sinal externo de que pressentia o Criador : Era sua cabeça, que girava em torno de seu próprio eixo velozmente qual redemoinho.
0 Era exatamente o que fazia agora.
A gaveta toda tremeu. Algo de luz a penetrou. Uma figura algo vaga a bloqueou parcialmente. Uma mão negra o agarrou.
A pressão que Auto sentia o oprimia. Não que ele precisasse respirar - ele não precisava - mas a autoridade que tanta força lhe impunha o inferiorizava e lhe tolhia os movimentos, tirava-lhe a liberdade. Liberdade? Ele tinha alguma?

(Por continuar) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Moderado por Cristiano Camargo