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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Série Especial: Consciência de Viver- Último Capítulo



Capítulo 11


Terminou, enfim, por acalmar-se. Suas pernas estavam dormentes de tanto ficar sentado de pernas cruzadas. E foi difícil e dolorido levantar-se. Mas assim o fez. A fome lhe veio novamente. E mais uma vez, foi à cozinha.
Comeu, bebeu e voltou ao seu quarto, pensativo. Mas agora estava cansado e queria dormir. Acabou sonhando:
Estava escalando uma montanha que lhe parecia infinita. E, ao seu lado, seu pai lhe guiava o caminho. Lá de cima, ele gritou: - Está vendo, filho? Quanto mais alto subimos, mais o horizonte se expande e mais bela é a paisagem! E sabe por quê? Porque nossos olhos podem alcançar mais longe, e a cada metro a mais que subimos, mais cresce o nosso orgulho em dizer: - Mas a que grande altura eu cheguei!
- Mas esta montanha me parece infinita! Isto não tem sentido!
Ao que seu pai respondeu: - Olha, filho, ela é infinita, e é por isso mesmo que ela nos atrai tanto! Não a subimos por buscar qualquer sentido, mas apenas para nos elevar mais em nosso orgulho, com uma sensação igualmente infinita de conquista, pois a montanha é tão mais árdua quanto mais a escalamos, e o que importa é aonde chegamos. É isso que nos faz felizes e nos faz esquecer de que jamais chegaremos ao topo, já que ela simplesmente não tem topo, senão o que consideramos o máximo, que é onde conseguimos chegar. Veja! Escalamos para buscar nosso máximo, não para chegar ao topo! E quando vimos o que conseguimos, vislumbrando este horizonte quase infinito, nos sentimos tão altos quanto a montanha, e, filho, não há sensação melhor do que essa em toda a nossa existência!
Ele acordou. Sim, o sonho tinha toda a razão. Ele havia ficado vinte anos ao sopé da montanha e viveu somente ali em baixo, parado, sem motivação, perene como a casa. Sentia-se como a casa, como se ela fosse uma extensão de si próprio, parada, imóvel e degradando-se longe do mundo, sem ver o tempo passar, mas sendo vítima passiva dele.
Fechado e trancado como ela, misterioso e sombrio como ela.
Por muitos e muitos anos não soube se estava vivo ou morto, sonhando ou acordado. Mas agora sentia sua própria respiração, os cheiros, via perfeitamente, escutava todos os ruídos. E, pela primeira vez em tantos anos, ouviu o som dos pássaros, cães latindo lá fora, vozes de outras pessoas que passavam pelo local. Tinha ignorado tudo isso por tanto tempo. E agora... Agora ele voltava a escutar, a reparar, e tudo parecia tão agradável, tão convidativo! Por que Ele deveria permanecer continuamente naquela casa?
Ele decidiu-se enfim. Ele vivia sim, e a vida o estava esperando lá fora. Um convite irrecusável, de incrível curiosidade. Estava farto daquela casa.
Mas ficaria sozinho? Solto na vida e no mundo, sem ninguém? Ah! Fizera isso por toda a vida, estava acostumado.
Afinal, qual o sentido de se viver em família, em dupla, ou sozinho? São apenas modos diferentes de viver, e cada um vive do seu, pois, afinal, cada ser humano é que faz o seu próprio sentido.
Ele concluiu. Era a hora de ir-se embora, finalmente. E ir ao encontro da nova vida que o esperava para viver, que não seria desperdiçada como fora a anterior.. Uma estranha melancolia tomou conta dele, uma espécie de saudades, indefinida, vaga, talvez da velha casa que lhe deu abrigo e sustento todos aqueles anos. Dirigiu-se ao banheiro e abriu a torneira. E sua imagem refletiu na água, qual espelho. E foi espantoso! Não estava tão feio quanto se achava, embora seu visual fosse realmente imundo e descuidado. Abriu o chuveiro, achou um velho sabonete ressecado, tomou um banho e acabou achando velhas roupas no quarto de seu pai, cheirando a naftalina ainda. Vestiu-as e dirigiu-se à sala de estar. Lá estava a porta, travada. Retirou a trava interna e a abriu. Simples. Ele poderia ter feito isso há muito tempo, mas nunca teve coragem antes como estava tendo agora.
Seus olhos miraram o que estiveram privados de ver por tanto tempo. Primeiro o excesso de luz; precisou de algum tempo para acostumar. Ali estava: a casa ficava no topo de uma pequena colina de costas para a cidadezinha, a uns dois quilômetros de distância, e de frente para a casa, solitária, uma estradinha vicinal a perder-se de vista, serpenteante no horizonte, atravessando o vale e as montanhas que cercavam toda a paisagem cheia de pequenas florestas, com seus belos revestimentos de outono.
O dia estava nascendo, e o Sol a raiar fulgurantemente nas montanhas deixou Ele impressionado. Os pássaros cantavam, e a natureza vigorosa se mostrava em todo seu esplendor. A vida, a vida era muito mais bela do que Ele pudesse ter idéia, e estava estupefato. Olhou para a velha casa, sentindo-se leve e com uma felicidade contagiante.
A antiga casa térrea estava lá, escurecida e apodrecida pelo tempo. Parecia eterna. Teve a impressão de ter visto sombras andando lá dentro e se aproximou. O que Ele viu foi ele mesmo, ainda vestido com o velho pijama roto, e o Espectro, ossudo como nos velhos tempos, mas já não o assustava, acenando-lhe um adeus. Ambos estavam de olhos e órbitas rasos e grossas lágrimas cobriam-lhes as faces. Ele os deixava lá, prisioneiros eternos. Mas alguma coisa parecia lhe dizer que a casa, uma vez aberta, se desfaria, mais cedo ou mais tarde. Ainda com os olhos úmidos, Ele acenou para eles e disse: - Adeus!
 Ora! Ouvia a própria voz pela primeira vez em tantos anos, e como lhe pareceu bela!
Consigo mesmo Ele pensou: Agora, sim, eu tenho a minha consciência de viver, e vou ao encontro da vida, finalmente!
Ele seguiu pela estradinha, atrás do horizonte, e viu o Sol nascer de vez, enquanto percorria o seu caminho...

                                                            FIM

Cristiano Camargo 

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